Mais Um + 1?

Não era tão tarde assim, e ela andava, tranquila, pelas ruas do bairro onde morava. Morena, não tão alta, mas magrela como quase todas as meninas da idade dela queriam ser.
Feliz e despreocupada, o andar era leve. A cabeça ia longe, na conquista da última noite: finalmente conseguira beijar seu professor de Inglês. E estava indo encontrá-lo de novo, para darem uma volta, comerem um lanche.
Nele residia um resquício de esperança que ela tinha em dias melhores. Depois de tantas decepções, ele que morava na mesma rua, era um brilho no fim do túnel.
Atravessando um cruzamento, pensamento longe, sinal fechado, despreocupação e leveza tomaram conta dela uma vez mais, levando-a para o ar, num vôo graciosamente trágico que combinou com o som dos pneus da arrancada do carro que causou tudo isso, bem como as marcas do pneu no asfalto.
Uma lágrima escorreu por não ter tido a oportunidade de saber se estava certa ao menos uma vez na vida, e quando se encontrou com o sangue que escorria profusamente da cabeça, o último suspiro veio com uma sensação de liberdade.

Incongruência

O pensamento se forma, se torna, se transforma e se transtorna numa velocidade ímpar e de poder incomparável.
O desespero por externar se torna tão incômodo a ponto de questionar sanidade, justamente pela forma que ocorre.
Em milésimos de segundos tudo se forma, nada se torna, em silêncio se transforma e o pensante se transtorna por não proferir o que tanto quis.
Eu, que antes da língua era pensamento, me perco nele, não mais formando tal língua. Nessa incongruência em que vivo me perdendo e me perco vivendo, queria ser apenas verbo.
Mas nem verbo consigo ser.

Versando

Por mais que exista a distância.
Por mais que exista a inconstância.
Além de todo este longo trecho de terra e mar que nos separa, eu sei que existe.
Por mais que existam segredos.Por mais que existam permeios.
Além de todas essas diferenças e todas estas semelhanças que nos fazem rir, eu sei que existe.
Por mais que existam sonhos, e talvez ilusões.
Por mais que existam, momentaneamente, decepções.
Além de todo e qualquer percalço que tenhamos no meio do caminho, eu sei que existe.
Sei que existe amor, esperança, paixão, amizade e vontade. Sei que existe um bem querer e um querer comum. Eu e você pretendemos virar um nós. E sei também que existe essa possibilidade. Só te peço uma coisa: esperança…

Sorrateiras angústias

Outro Domingo veio e foi, arrastando junto dele a melancolia de um final de semana onde nada de produtivo foi feito. Mais uns níveis num jogo de guerra online, uma boa cerveja bebida, harmonizando com um hambúrguer artesanal.

Foram mais três dias quentes (claro que Sexta conta), por vezes até incômodos. Dias em que me exercitei, escrevi, transpirei, dormi. Também cochilei, mas não sonhei.

Dias longos como não deveriam ter sido, já que foram, até certo ponto, entediantes. Acho que nem a madrugada de tiros, xingamentos e risos escaparia ilesa dessa minha vontade de não ter passado por um fim de semana ruim como foi esse último.

A pior parte foi o sorrateiro, e angustiante, sussurrar da solidão me cercando. Mais quente e incômodo que os tais dias de calor. Mais desagradável que o ficar muito tempo deitado no sofá. Chegou só pra diminuir mais ainda a esperança de dias melhores em um aspecto.

É como reza a lenda:

“Sorte no jogo, azar no amor.”

Legitimando

A dor, como a ira, pode ser legítima. Tem esse direito. E, quando se torna legítima, também se torna pessoal. E é aí que se perde o ser humano. Por não saber lidar muito bem com o pessoal, o sentimental.
Uma noite, pouco depois de terminar um namoro de quase dois anos, ainda em prantos por ter sido da forma que foi, liguei pro meu melhor amigo. Ele, no alto da calma dele, numa tentativa de consolo, me disse que era normal, correto, eu sentir raiva.
Eu então odiei ele, por um momento.
Minha raiva, meu sentimento, era pessoal. Por mais que eu tivesse exposto como eu estava, buscando um guia para como proceder, ele não tinha o direito de saber o quão normal era aquela situação.
Me lembrei então de uma tragédia um pouco (muito) pior pela qual ele tinha passado. E então entendi o que ele estava me dizendo. Aquela noite foi difícil, onde nem em casa eu dormi. Precisei me punir e, para tal, dormi na garagem, no chão, duro e gelado.
Ele então me mandou uma mensagem no meio da madrugada: “O seu coração agora dói. Mas ele, nem você, nunca, vão desistir. E, como o meu, você, seu coração, sua alma hoje quebrada, vão se lembrar.”

Devaneio desvairado.

Numa loucura que me permeia numa Sexta de bar sem companhia, penso incessantemente no motivo de tamanha solidão que insiste em me cercar e, aparentemente, afastar toda e qualquer pessoa do sexo oposto ao meu, seja para uma saída amigável, seja para um(a tentativa de) encontro.
Essa questão que já há um tempo me consome, quase diariamente, quase literalmente, me faz pensar em diversas de milhares de coisas, ultrapassando a simples barreira do atualmente defasado “por quê?”.
De (quase) tão consumido e consumado por/de desesperança que encontro-me enquanto escrevo essa singela nota tento tirar a culpa de meus ombros, buscando amenizar qualquer que seja o sentimento desconhecido que me habita.
Será que é a camisa que eu escolhi?

Ver e crer.

Era tão dia quanto noite, eu precisava ver para crer. Chovia gotas de veneno e reluzia uma angustia fúnebre, eu sabia que alguém tinha morrido. Estava eu, sentado no topo do mundo e deslumbrando o universo, penso que a quem esse sorriso se deslumbra. Mesmo que não vendo, respiro o seu perfume e ao mesmo tempo eu não creio em você, mas só em você. Não pode existir, seria improvável, inverossímil, implorável. Suplico, se você existir como eu te vejo, estou, não estou, quem sabe aonde estou que a quem importa. Antes tudo era nada, agora nada é tudo, perdi em deslumbrar o seu aspecto ao crer que poderia ver. Senti a morte, exalei a vida e permeei a angustia, me recolhi em meus sonhos e amargurei em cada esquina. Esperava uma flor no deserto, desde então a reguei todos os dias.

Leviandades de um sinônimo.

O quão estranho pode soar uma palavra que tem diversos significados possíveis, quando fora de contexto?
Por exemplo, inventor. Além de exprimir uma possível profissão, também posso querer dizer, ou especificar um tipo de inventor que tal pessoa seja. Inventor de canções, móveis, poesias. Mas o que inventar quer dizer? Criar? Mas não é um sinônimo?
Nessa infinidade de palavras, vocábulos e possíveis construções em cada uma das línguas que se podem falar, o significado se perde. O roteiro, às vezes traçado mentalmente daquelas tais conversas, que tanto podem ser boas ou ruins, pode afundar se uma palavra, única, for compreendida pelo receptor de uma maneira diferente da esperada. Quem diria que um simples pedido pudesse implicar em tanta coisa mais! Ou que uma frase, talvez escrita erroneamente, destruísse tanta coisa ainda recém construída? É complicado por demais não me preocupar com as nuances da língua quando eu mesmo a uso sem pudor, interpretando e desconstruindo-a para tentar me tornar mais claro. Talvez, fugir.
E nessa possibilidade de singularidade, onde a língua minha se perde no ouvido teu, gostaria de deixar de ser leviano para me tornar um sinônimo de tu e eu, juntos.

Melhor, para evidenciar a veracidade, nós.

Boa pergunta…

Deitado aqui com os olhos cerrados, aquela preguiça enorme de qualquer coisa. Aquele estágio onde você tenta se iludir que já acordou, mas não tem a mínima coragem, ou vontade, ou poder, para abrir os olhos. E só fica lá, relaxando, espreguiçando, rolando, por mais cinco maravilhosos minutos.

Eu nesses cinco minutos viro pra você, apalpo, dou um cheiro, no teu pescoço. Um beijo, na tua orelha. Abraço apertado toda você, querendo mesmo te forçar a ficar aqui comigo. Seu drama de fingir estar dormindo, ou estar de fato ainda na terra tão distante dos sonhos, não me desanima ou me intimida. Aperto mais ainda. Só por carinho, teimosia, ou numa tentativa de já te causar o primeiro sorriso do dia, sussurro no teu ouvido um trecho de uma música:

I could stay awake just to hear you breathing
Watch you smile while you are sleeping
While you’re far away and dreaming

E aí abro meus olhos pra ver tua reação, esse lindo transparecer de sentimento que é tua boca armada pronta pra demonstrar alegria da maneira mais preguiçosa possível.

Então percebo que estava fazendo tudo com meu travesseiro, numa cama beliche dentro de um navio, quase na hora de acordar pra ir trabalhar por mais doze infinitas horas sem companhia.

E aí me questiono: cadê você?

Um eco no escuro.

Teus olhos mel encontraram os meus depois de tanto tempo buscando poder adentrar tua alma por essas belíssimas janelas que tu tens.
Teus cabelos, que graças a Deus, fogem dos padrões escovados e chapados são um convite à encenação daquela música que é cantada por aí há tempos: “Debaixo dos caracóis dos teus cabelos…”
Teu sorriso franco, sincero e mais do que belo (diga-se de passagem) me contagiaram desde a primeira vez. E te fazer sorrir a cada possibilidade é algo que eu tô sempre buscando.
Te enumerar aqui seria perder tempo demais, já que eu iria falar, digitar, escrever e enunciar muita coisa por muito tempo. Prefiro pensar em você como um guia, não uma luz no fim do túnel.
Como me encontro em algo um pouco além disso, seria mais como um eco, distante, num local escuro. Talvez a tranca se abrindo pra que eu saia, de onde quer que eu esteja.